Cenário Geral
Depois de mais seis meses intensos de trabalhos legislativos, deputados e senadores entraram de recesso de fim de ano. Durante todo o mês de janeiro, não haverá sessões no Congresso Nacional, o que pode dar a oportunidade de o Planalto revisar as vitórias e derrotas do governo no Legislativo durante o ano de 2021. Nesta Edição Especial, analisaremos as principais propostas aprovadas e as não aprovadas ao longo do ano, juntamente com as atuações dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Lira sofre mais nesse semestre, mas continua dominando a pauta
No final do primeiro semestre, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), saiu com a sensação de vitória por comandar muito bem a pauta e o relacionamento com seus pares. No entanto, os últimos seis meses do ano trouxeram grandes desafios ao deputado. Além de pressões provenientes da Presidência da República para pautar matérias controversas, como o voto auditável, Lira também sofreu uma derrota pessoal durante votação da PEC que mudava a composição do Conselho do Ministério Público. É preciso reforçar, contudo, que o comando da Câmara continua sob seu domínio, assim como a pauta prioritária do governo.
A contragosto do governo, voto impresso é barrado na Câmara
Apesar da pressão do governo, personalizada no empenho do próprio presidente Jair Bolsonaro, a PEC 135/2019, que instituía o voto impresso auditável, foi rejeitada na Câmara dos Deputados no começo de agosto. O placar de 229 votos favoráveis, 218 contrários e 1 abstenção expôs o que muitos já sentiam: o presidente da Casa, Arthur lira (PP/AL), não estava tão envolvido com a aprovação da matéria. Ficou ainda mais evidente que essa era uma briga do chefe do executivo, fato que estremeceu a relação de Lira e Bolsonaro.
Rejeição da PEC que muda Conselho do MP se consagra como primeira grande derrota de Lira
Ao contrário da PEC do voto impresso, Lira abraçou a PEC 05/2021, que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, quase como um projeto pessoal. Por essa razão, faltando 11 votos para a sua aprovação, a rejeição da matéria no plenário ficou marcada como uma derrota do presidente da Casa, dando sinais de enfraquecimento do apoio que estava tendo até então. À época, a situação provocou irritação em Lira, havia pautado a proposição com a certeza de que ela passaria.
A despeito do resultado desfavorável, o parlamentar declarou ter intenção em voltar a discutir o texto base da PEC em outro momento, posto que a rejeição se deu em primeiro turno e com base no substitutivo apresentado pelo relator Dep. Paulo Magalhães (PSD/BA). No entanto, a estratégia é duvidosa, já que os deputados não poderiam fazer mudanças no texto original.
Aprovação da Reforma do Imposto de Renda
No embalo das reformas estruturais, a Tributária ficou por conta do PL do Imposto de Renda nesse segundo semestre. O projeto 2337/2021, relatado pelo deputado Celso Sabino (PSDB/PA), foi finalmente aprovado na Câmara dos Deputados no início de setembro. Em um vai e volta constante do substitutivo para que o texto final contemplasse as demandas do setor empresarial sem pesar muito para estados e municípios, o apoio do PT foi chave para que a proposta ganhasse simpatia da oposição e engrenasse na Casa. Com certa relutância à matéria por parte de alguns partidos da base do governo, Lira seguiu sua tática complexa e polêmica de tentativa e erro, pautando o projeto mesmo em momentos em que não pareciam tão favoráveis. Eventualmente, a carruagem andou e o PL foi aprovado, mas a história ainda está longe de ter fim.
Mesmo sob pressão de Lira, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), presidente do Senado, não tomou o projeto como prioridade e nem dá sinais de que irá. No âmbito da Reforma Tributária, o Senado parece muito mais focado em dar seguimento à proposta de autoria da Casa, a PEC 110/2019. O Sen. Davi Alcolumbre (DEM/AP), presidente da CCJ, já indicou inclusive que ela estará na pauta da primeira reunião da comissão de 2022. Como resposta, para não perder o protagonismo frente à reforma, Lira anunciou a criação de nova comissão mista para discutir e deliberar a PEC 07/2020, de autoria do Dep. Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL/SP), que também prevê mudanças mais extensas no sistema tributário.
Aprovação do PLP 11/2020, do ICMS sobre combustíveis
Ainda na seara dos tributos, sob pressão do governo e da população, a Câmara conseguiu aprovar, com folga, o PLP 11/2020, que altera as regras de ICMS sobre combustíveis. O projeto recebeu bastante apoio do presidente Bolsonaro, que tem a questão da alta dos preços do petróleo e seus derivados como um dos maiores desafios de seu mandato. Nesse contexto, ele tem discursado sobre a responsabilidade compartilhada no preço final dos combustíveis, buscando aliviar as críticas ao governo federal e puxar o gancho para os estados, onde entram as mudanças no ICMS.
A iniciativa obteve respaldo de Lira, mas não chegou no Senado com a mesma pujança. Pacheco demonstrou interesse em resolver o problema, mas pareceu mais cauteloso em alterar alíquotas estaduais sem o aval dos governadores. Tendo em vista tais ressalvas, a matéria não chegou a ser pautada na Casa esse ano.
Aprovação da PEC Precatórios
Num suspiro final, garantindo margem no teto de gastos do próximo ano, inclusive para o Auxílio Brasil, o Congresso aprovou a PEC dos Precatórios. Primeiramente foi promulgado o texto em comum entre as Casas, e, na última semana de atividades legislativas, foram deliberadas na Câmara as mudanças provenientes do Senado. As negociações de apoio à PEC com a base do governo foram dificultadas pelo entrave envolvendo as emendas de relator, que estavam com a execução barrada por ordem do STF. No início desse mês, após ser promulgada uma resolução do Congresso Nacional que prevê mais transparência nas emendas de relator, a relatora do processo no Supremo, Min. Rosa Weber, liberou a aplicação desses recursos e, a partir daí, tudo fluiu.
Decepção com a Reforma Administrativa
Sem grandes mudanças, a PEC 32/2020, da Reforma Administrativa, segue a passos lentos. Em setembro o relator, Dep. Arthur Oliveira Maia (DEM/BA), apresentou seu parecer, que foi aprovado pela comissão especial no mesmo mês, mas sem o envolvimento massivo do governo. Dado o não posicionamento do Planalto, o apoio solitário de Lira não foi suficiente para levar a matéria à Plenário. Há expectativa de que ela volte a movimentar a Câmara no próximo ano, no entanto, é possível que seu destino siga sendo o mesmo, tendo em vista que será desafiador emplacar um tema tão polêmico e impopular em época de eleição.
Com Senado independente, Pacheco assume protagonismo
Diferentemente do começo do primeiro semestre, marcado por expectativas de uma nova relação entre governo e Congresso, o Planalto já contava com desafios na volta do recesso de meio de ano no legislativo, principalmente no Senado. Na Casa, a CPI da pandemia continuava sugando energias de apoiadores e de ministros de Bolsonaro, enquanto, ao mesmo tempo, a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) já aguardava sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Além disso, ao longo do ano, pautas prioritárias para o governo, como a Reforma do Imposto de Renda e a privatização dos Correios, precisariam passar pelo crivo do Senado.
Aprovação do Novo Refis no Plenário
Logo na volta do recesso, os senadores aprovaram o PL 4728/2020, do novo Refis, ou passaporte tributário. O projeto, que é de autoria do presidente Rodrigo Pacheco (PSD/MG), é apoiado por setores empresariais prejudicados pela pandemia, mas levou certa preocupação ao governo, já que perdoa dívidas desses empresários com a Fazenda Nacional. Aprovada, a matéria foi encaminhada à Câmara, onde ficou por quase todo o semestre. A estratégia de Lira foi explícita: o projeto só andaria caso a Reforma do Imposto de Renda fosse deliberada pelos senadores. No entanto, a posição de Pacheco se manteve firme durante todo o ano, e Lira acabou trocando o IR pela PEC dos Precatórios. Nesse cabo de guerra, Pacheco saiu mais forte.
CPI aprova relatório final
Enquanto isso, a CPI da pandemia continuava convocando aliados e membros do governo para deporem na comissão. Sob a relatoria de Renan Calheiros (MDB/AL), que foi se tornando um desafeto cada vez maior de Bolsonaro ao longo do ano, a linha de investigação do colegiado passou a se aprofundar em temas que tinham como principal alvo o entorno do presidente. No entanto, mesmo atraindo constantes notícias negativas para o governo, já no início do semestre, a CPI não tinha mais a mesma força e relevância de antes. Por isso, seu encerramento no final de outubro não gerou qualquer resistência por parte dos senadores e, ao mesmo tempo, seu relatório final gerou poucas repercussões jurídicas de fato.
Marco das Ferrovias sai do papel com pressão de Tarcísio de Freitas
Ao mesmo tempo, as resistências de senadores com pautas do governo começaram a incomodar principalmente o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, um dos poucos auxiliares de Bolsonaro, que continua com um ótimo trânsito no Congresso, de maneira geral. Os dois principais projetos apoiados pela pasta (Marco das Ferrovias e BR do Mar) continuavam parados na Casa, sem evolução significativa de suas discussões. Na tentativa de acelerar o processo e pressionar os senadores envolvidos, o ministro apresentou uma Medida Provisória (MP 1065/2021), que permitiu o modelo de autorização para a construção de ferrovias, de teor similar ao PLS 261/2018, que tramitava no Senado. O gesto não foi bem recebido pelos parlamentares no início, mas acabou tendo sucesso, já que o projeto foi aprovado nas duas Casas do Congresso antes do final do ano.
Pacheco leva Mendonça ao Plenário e sai vitorioso
Mais para o final do semestre, o presidente Rodrigo Pacheco foi ganhando maior projeção, dado o clima de oposição ao governo criado no Senado ao longo do ano junto à necessidade de aprovação de questões importantes para o Planalto. Nesse contexto, o presidente encabeçou a realização da sabatina do indicado de Bolsonaro para o STF, André Mendonça. Depois de quase seis meses de molho na CCJ, o senador Davi Alcolumbre (DEM/AP) sucumbiu à pressão de pautar a inquirição ao ex-ministro da Justiça. Após a sabatina, em Plenário, o ex-presidente do Senado sofreu nova derrota vendo o nome de Mendonça sendo aprovado com seis votos de sobra. Enquanto Alcolumbre saiu enfraquecido da disputa, Pacheco saiu melhor com o governo e com seus pares.
Anastasia surpreende governo e se torna ministro do TCU
A cereja do bolo para o protagonismo de Pacheco foi a aprovação de seu aliado, o senador Antônio Anastasia, companheiro de partido e de estado, à indicação do Senado para o Tribunal de Contas da União (TCU). A vaga ao Tribunal, que seria aberta apenas em 2023 com a aposentadoria do ministro Raimundo Carreiro, foi antecipada em razão da indicação de Carreiro à Embaixada Brasileira em Lisboa. A indicação foi realizada pelo próprio Bolsonaro e poderia ter ampliado o leque de aliados do Planalto na Corte. No entanto, Fernando Bezerra (MDB/PE), líder do governo na Casa, recebeu apenas sete votos, em contraste com os 52 recebidos por Anastasia. A derrota acachapante teve como consequência a entrega do cargo de liderança por Bezerra, enquanto a vitória de Anastasia consolidou a dominância de Pacheco na Casa.
Pautas da equipe econômica estacionam
Para o governo, o semestre no Senado foi improdutivo. Apesar de aprovações importantes, como as pautas de infraestrutura e a PEC dos precatórios, projetos da equipe econômica não evoluíram na Casa. A privatização dos Correios (PL 591/2021) não foi aprovada nem na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O projeto que altera o cálculo da cobrança de ICMS sobre combustíveis (PLP 11/2020), que chegou a provocar a possibilidade de um acordo entre senadores e governadores, não foi oficialmente recebido pela Casa. Por fim, o PL 2337/2021, da Reforma do Imposto de Renda, não teve, até hoje, relatório apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD/BA). De modo geral, portanto, a relação entre senadores e a equipe de Paulo Guedes permaneceu a mesma do semestre anterior.